Para começar, para sermos gramaticalmente corretos, a frase deveria ser "você sabe que eu amo você" ou "tu sabes que te amo". Usar "você" e "te" na mesma frase é comum na linguagem coloquial, mas a rigor tem um erro de concordância.
Em tupi clássico, orações do tipo "que eu te amo" são faladas de forma diferente. Não se diz "tu sabes que eu te amo", mas sim "tu sabes do meu amor por ti".
Ereîkuab xe nde raûsuba.
ere + i + kuab / xe / nde / r + aûsub + a ( {conjug. 2ª pessoa} + isto (o) + saber ou conhecer / meu / (por) ti / {possessivo} + amar + {substantivo} )
Tu o conheces: meu amor por ti.
Tu sabes do meu amor por ti.
Tu sabes que eu te amo.
Você sabe que eu amo você.
Lemos Barbosa traz esta grafia, com os elementos sintáticos das palavras separados:
Ere-î-kuab xe nde r-aûsuba.
Você sabe que eu amo você.
Ouça:
Existe a palavra ta em tupi, que pode ser traduzida como "que", mas apenas com o sentido de desejo ou pedido de permissão. Como exemplo, usemos essa palavra na frase declarativa "Eu te amo!", apresentada em outra publicação:
Oroaûsub!
oro + aûsub ( "eu te" + amar )
Eu te amo!
Usando a partícula ta, teremos:
T'oroaûsub!
ta + oro + aûsub ( que + "eu te" + amar )
Que eu te ame!
Vejamos um exemplo de texto que contém as frases mostradas:
— Xe r-ausub-pe îepé?
— Pá. Ere-î-kuab, xe iar gûé, xe nde r-ausuba. T'oro-aûsub auîé-rama-nhé.
Esse trecho foi tirado da lição 24ª do Curso de Tupi Antigo, de Lemos Barbosa, de um exercício sem instruções, mas presumivelmente para se traduzir ao português. Em português, seria algo assim:
— Tu me amas?
— Sim. Tu sabes, meu senhor, que eu o amo (do meu amor por ti). Que eu o ame para sempre.
Parece-me inspirado num diálogo entre Jesus e a apóstolo Pedro, tal como descrito nos evangelhos (João 21:16). Lemos Barbosa parece ter deixado outra pista em outro exercício da lição 21ª, também sem instruções, mas presumivelmente para se traduzir ao tupi:
— Itá, tu me amas?
— Sim, Senhor meu, tu sabes tudo; tu sabes que te amo. Apascenta as minhas criações.
A palavra itá significa "pedra", de modo que o nome Itá deve ser uma referência a Pedro.
Vejamos um exemplo de uma frase mais longa com "abá-pe", tirado do Curso de Tupi Antigo, de Lemos Barbosa:
Abá-pe nd'osaûsubi o sy?
Abá + pe / nda + o + s + aûsub + i / o / sy ( pessoa + {interrogação} / não + {conjug. 3ª pessoa} + s (eufônico) + amar + {complemento de "nda"} / sua / mãe )
Devemos circundar essa frase com a estrutura "nda ... i" para formar a forma negativa:
Nd'oroaûsub-i.
( nda / oro + aûsub / i )
( não / eu te + amar / {complemento de "não"} )
Eu não te amo.
Ouça:
Caso você ache muito estranho ter duas palavras para formar a forma negativa, talvez sua aceitação seja melhor se pensar que isso também ocorre no francês:
Curiosamente, o tupi tem uma forma de dizer "sim" falada pelos homens e outra forma falada pelas mulheres.
Pá!
Sim!
(falado por homens)
Eẽ!
Sim!
(falado por mulheres)
Lemos Barbosa, em seu "Curso de Tupi Antigo", afirma que pá é "só de homens" e que eẽ é "sobretudo de mulheres", o que sugerem que homens também usavam eẽ eventualmente no tupi clássico.
Como explicado por Romildo Araújo, "rumé" é junção de "rub", que significa "estar deitado", e "-me", forma reduzida de "reme", que expressa condição (neste caso, a condição de estar deitado).
Na mitologia tupi-guarani, o nome "Tupã" designa a manifestação do deus criador Nhanderuvuçu por meio do trovão. Durante a catequização indígena, esse nome foi adaptado para se referir ao Deus cristão. Por exemplo, as seguintes formas aparecem em traduções de orações católicos ao tupi:
Criação do Sol, Lua e Plantas de Michelangelo, detalhe da face de Deus. https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d0/Creation_of_the_Sun_and_Moon_face_detail.jpg
Kûarasy e Îasy também podem representar divindades da mitologia tupi-guarani, traduzidos ao português como Guaraci e Jaci. Jaci, a Lua, é frequentemente descrita como uma divindade feminina, filha (ou criação) de Tupã (divindade do céu, do trovão etc.), enquanto Guaraci, o Sol, seria o filho (ou criação) de Tupã. O dicionário do professor Eduardo de Almeida Navarro também traz a palavra kûara como sinônimo de kûarasy.
Tuba / Ta'yra / Espírito Santo / r + era / pupé / Amen / Jesus ( Pai / Filho / Espírito Santo / possessivo + nome / em / Amém / Jesus )
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém, Jesus.
Quem já sabe que "Pai Nosso" em tupi é "Oré Rub", pode estranhar agora a forma "Tuba". O que acontece é que a forma "rub" sofreu duas alterações:
o "t-" mudou para "r-" devido ao caso possessivo;
perdeu-se o "-a" por causa do vocativo (lembre-se que Deus Pai está sendo chamado ao se dizer "Pai Nosso").
Para "Filho", usamos aqui a grafia "Ta'yra", segundo a convenção atual, mas Plínio Ayrosa escreve "Taýra". O acento marca a vogal tônica, o que é dispensado em "ta'yra" porque a vogal que segue a consoante oclusiva glotal (detonada pelo apóstrofo) é sempre tônica. A ortografia de Ayrosa não representa a oclusiva glotal.
A preposição "pupé", ou melhor, a posposição "pupé" (porque aparece após o substantivo, não antes) significa "em", "dentro de", "com", "no tempo" etc.
Detalhe lateral do monumento Padre José de Anchieta, Apóstolo do Brasil, em São Paulo, Brasil Fotografia de Giovanna Valentim. Fonte: Wikimedia Commons (https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/be/Padre_Jos%C3%A9_de_Anchieta%2C_Ap%C3%B3stolo_do_Brasil_05.jpg).
Santa Cruz / r + aangába / resé ( Santa Cruz / possessivo + sinal / por [pelo] )
Pelo sinal da Santa Cruz
oré pysyrõ îepé,
oré / pysyrõ / îepé ( nos / livrar / tu )
nos livra tu
Livrai-nos
Tupã oré Iár,
Tupã / oré / Iár ( Deus / nosso / Senhor)
Na mitologia tupi-guarani, o nome "Tupã" designa a manifestação do deus criador Nhanderuvuçu por meio do trovão. Durante a catequização indígena, esse nome foi adaptado para se referir ao Deus cristão.
Detalhe lateral do monumento Padre José de Anchieta, Apóstolo do Brasil, em São Paulo, Brasil Fotografia de Giovanna Valentim. Fonte: Wikimedia Commons (https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/be/Padre_Jos%C3%A9_de_Anchieta%2C_Ap%C3%B3stolo_do_Brasil_05.jpg).
Segue a versão da oração, conforme registrada por Plínio Ayrosa. Faremos a análise em breve.
AVE-MARIA
Ave-Maria
Ave Maria, graça resé tynysemba'e,
Ave Maria / graça / resé / t + ynysem + mba'e ( Ave Maria / graça / consigo / {estado absoluto} + cheio(a) + o/a qual ) resé = r + esé = {possessivo} + com
Ave Maria, com graça a que é cheia
Ave Maria, cheia de graça,
nde irúnamo nde Iára rekoû,
nde / irúnamo / nde / Iára / rekóu ( tu / com / teu / Senhor / estar )
contigo teu Senhor está
o Senhor é contigo (convosco),
imombe'u katupýramo ereîkó kuñã suí;
i + mombe'u / katu + pyr + amo / ere + ikó / kuñã / suí ( ele/ela/isto + proclamar / bom ou bem + {deverbal passivo} + {condição} / {conjug. 2ª pessoa + estar} / mulheres / entre )
na condição de ser proclamada bendita esteja entre mulheres
bendita és tu (sois vós) entre as mulheres
imombe'u katupýr abé nde membyra Jesus.
i + mombe'u / katu + pyr / abé / nde / membyra / Jesus ( ele/ela/isto + proclamar / bom ou bem + {deverbal passivo} / também / teu / filho (de mulher) / Jesus )
A palavra "membyra" refere-se ao filho ou filha em relação á mãe, sendo uma tradução adequada para "fruto do ventre". Um homem não diria "xe membyra" (meu filho / minha filha), mas sim "xe ra'yra" (meu filho) ou "xe raîyra" (minha filha).
proclamado bendito também teu filho Jesus
bendito é o fruto do teu (vosso) ventre, Jesus.
Santa Maria Tupã sy,
Santa Maria / Tupã / sy ( Santa Maria / Deus / mãe )
Santa Maria, mãe de Deus,
e-tupã-mongetá oré
angaîpába'e resé,
e + tupã + mongetá / oré / angaîpába'e / resé ( {imperativo} + Deus + falar / nós / pecadores / por )
roga (rogai) por nós, pecadores,
ko'yr, irã oré iekyî, oré rumé béno.
koyr / irã / nós / morrer / oré / rub + -me / benó ( agora / futuramente / nosso / morrer / nós / estar deitado + {condição} / e também )
agora e também futuramente quando nos deitarmos em nossa morte
Obra "Milagre das Rosas de Nossa Senhora de Guadalupe". Conta-se que Maria apareceu a um indígena mexicano (hoje chamado de São Juan Diego), instruiu que ele enrolasse flores num pano e levasse-as ao padre; quando ele desenrolou o pano, a imagem que seria conhecida como Nossa Senhora de Guadalupe apareceu milagrosamente. Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/8e/Milagre_das_Rosas%2C_Miracle_of_the_Roses.jpg
Não existe uma língua chamada "tupi-guarani", mas sim várias línguas pertencentes à família tupi-guarani. Perguntar como se diz algo em tupi-guarani seria o mesmo que perguntar como se diz algo nas línguas latinas. Assim como línguas latinas incluem italiano, espanhol, português, francês etc., as línguas tupi-guaranis incluem tupi, guarani, nheengatu, zoé, língua geral etc. No entanto, o autocompletar do Google me diz que muitas pessoas pesquisam "como se diz _______ em tupi guarani", e talvez algumas delas chegarão aqui.
Quando se diz "tupi", sem especificações, normalmente se refere à língua abanheenga, também conhecida como tupi clássico ou tupi antigo. Nessa língua, fala-se
Oroaûsub.
oro + aûsub ( eu te + amo )
Eu te amo.
Ouça:
Quando se diz "guarani", sem especificações, normalmente se refere ao guarani paraguaio, também conhecido como avañe'ẽ.
Rohayhu.
ro + hayhu ( eu te + amo )
Eu te amo.
A língua nheengatu, ainda falada no norte do Brasil, é frequentemente chamada de "tupi moderno". Em nheengatu, ao invés de usar o prefixo "oro" do tupi clássico, utilizado quando o sujeito é "eu" e o objeto é "te", usa-se uma construção mais analítica:
Ixé asaisú indé.
ixé / a + aisú / indé ( eu / conjugação 1ª pessoa + amo / te )
oré / rub / ybaka + ype / ta + ekó + ar (nosso / pai (vocativo) / céu + em / que + mora + "aquele que" [agente])
Nosso pai, aquele que mora no Céu
Pai nosso, que estás (estais) no céu
I moetepýramo nde rera t'oîkó
i / moeté + pyra + mo / nde / rera / ta + o + ikó (ele / santo + deve + {gerúndio final} / teu / nome / que + {conjug. 3a. pessoa} + estar)
Ele (o nome) devendo ser santo teu (vosso) nome que esteja Santificado vosso nome esteja
Santificado seja o teu (vosso) nome
T'our nde Reino
ta / o + ur / nde / Reino (que / {conjug. 3a. pessoa} + vir / teu / Reino)
Que venha teu Reino
Venha a nós o teu (vosso) Reino
T'onhemonhang nde remimotara ybype
ybákype i nhemonhanga îabé
ta / o + nhe + monhang / nde / r + emi + potar + a / yby + pe (que / {possessivo do sujeito} + {reflexivo} + fazer / tua / {possessivo} + {deverbal paciente} + querer + {substantivo} / terra + em)
Que faça-se tua vontade em terra
ybaka + ype / i / nhe + monhanga / i + abé (céu + em / isto / {reflexivo} + feito / isto + também)
em céu isto seja feito (isto) também
Que seja feita tua (vossa) vontade assim na Terra como no Céu
Oré remi'u 'ara îabi'õndûara
oré / re + mi'u / 'ara / îabi'õ + nduara (nossa / {conjug. 2ª pessoa plural} + comida / dia / cada + o que é de costume)
Nossa comida de cada dia ('ara îabi'õ: cada dia; 'ara îabi'õnduara: quotidiano(a), de cada dia)
O pão nosso de cada dia
eîme'eng kori orébe
e + î + me'eng / kori / oré + be ( {conjug. 2ª pessoa} + isto (objeto) + dar / hoje (futuro) / nós + a (para) )
dê isto hoje a nós
nos dá (dai) hoje
Nde nhyrõ oré angaîpaba resé orébe
nde / nhyrõ / oré / angaîpaba / r + esé / oré + be ( tu / perdoar / nossas / maldades / de + por causa / nós + para )
Perdoa tu (imperativo) por causa de nossas maldades (perdoa) a nós
E perdoa-nos (perdoai-nos) as nossas ofensas
oré rerekomemûãsara supé
oré / re + rekomemuã + sara / supé (= -be) ( nos / {2ª p.} + maltratar + {particípio} / para (a) ) ( rekomemuã = rekó memuã, fazer mal)
(quem) a nós tiver feito o mal
oré nhyrõ îabé
oré / nhyrõ / î + abé ( nós / perdoar / isto + também )
nós perdoamos também
assim como nós perdoamos
a quem nos tem ofendido
Oré mo'arukar umẽ îepé tentação pupé
oré / mo + 'ar + ukar / umẽ / îepé / tentação / pupé ( nos / fazer + cair + deixar / não / tu / tentação / em (dentro, entre) )
( umẽ é a partícula negativa de frases do caso permissivo ("não" usado junto com "deixar") )
não nos deixe fazer cair em tentação
E não nos deixes (deixeis) cair em tentação
Oré pysyrõte îepé mba'eaiba suí
oré / pysyrõ + te / îepé / mba'e + aiba / suí ( nos / livrar + mas sim / tu / coisa + ruim / de )
mas sim livra-nos tu da coisa ruim
Mas livra-nos (livrai-nos) do mal
Comente se você tiver alguma dúvida ou correção. Caso você queira se aprofundar na traduação do pai-nosso ao tupi, pode dar uma olhada no livro "Notas sobre algumas traduções do padre-nosso em tupi-guarani", de Carlos Drumond, disponível on-line em:
Existem as formas mbotyra (ouça) e potyra para a palavra "flor" em tupi.
mbotyra
flor
As letras "mb" devem ser pronunciadas de uma vez só. Trata-se de um "b" pré-nasalizado, ou seja, precedido de nasalização, mas não se deve pronunciar uma vogal antes do "m" ("umbotyra", "imbotyra").
A vogal "y" em tupi representa uma vogal que não existe no português brasileiro. É pronunciada mais ou menos como um "u", mas sem arredondar os lábios (deixe os lábios na posição de "i"). Esse som está presente no português europeu, por exemplo na pronúncia da letra "e" átona ao final de palavras como "de" e "saudade".
potyra
flor
Desta palavra vem o nome feminino Potira. E também o nome Capotira ou Caputira.
ka'apotyra
ka'a + potyra (mato + flor)
flor do mato Capotira
O apóstrofo da palavra ka'a representa a "paradinha" representada por "h" na expressão de negação "hã-hã". Chama-se oclusiva glotal e também está na expressão em inglês uh-oh (que expressa que algo deu errado). A palavra ka'a também está presente na origem das palavras caatinga ("mato claro"), catanduva ("mato duro em abundância", "cerradão") e capoeira ("mato cortado", segundo uma das hipóteses).