Para falarmos sobre a expressão dos números naturais em tupi, proponho seguirmos uma ordem crescente, a começar de zero.
0
zero, namba'eruã, aani
zero
A generalização do uso de "zero" como número é relativamente recente na história da humanidade. Poucos povos "inventaram" esse número independentemente. Não é muito difícil de entender o porquê. Se não tenho nada para contar, por que vou inventar um número específico em vez de simplesmente não contar? Parecia mais fácil usar a palavra "nada", essa sim existente nas várias línguas ao redor do mundo.
Naturalmente, houve razões pensar no zero como um número, e também como um numeral (que é uma palavra que representa um número). Vou deixar que você mesmo pesquise se quiser saber mais da história do zero (veja, por exemplo, este e este texto).
Na literatura em tupi clássico, é comum usar os números em português, de modo que poderíamos simplesmente escrever zero. A opção mostrada na página Língua Tupi é dizer namba'eruã, formada por mba'e (coisa) e a negação na ... ruã (a palavra negada deve ficar no meio; isso vale para substantivo, pois para verbos usa-se na ... i). Assim, namba'eruã significa "nenhuma coisa". Também dei como opção usar aani, que também significa "nada".
1
oîepé, îepé
um ou uma
As formas oîepé e îepé são variações para o número um (1) em tupi.
2
mokõî
dois ou duas
Encontramos textos antigos com grafias tais como "mocõe" ou "mocõi". Edelweiss cita como etimologia de mokõî uma expressão que significa "faz par".
3
mosapyr, mosapyt
três
Edelweiss cita como etimologia de mokõî uma expressão que significa "faz ponta".
4
quatro, irundyk, irundy, oîoirundyk, monherundyk
quatro
Edelweiss cita como etimologia de irundyk uma expressão que significa "junta pares". Ele diz ainda que a palavra para quatro em tupi é raramente usada. De fato, encontramos a palavra "quatro", escrita em português, na literatura em tupi clássico.
5
cinco, ambó, pó
cinco
Vários autores (como Lemos Barbosa, Frederico Edelweiss e Eduardo Navarro) disseram que os numerais propriamente ditos do tupi antigo eram quatro: oîepé (um), mokôî (dois), mosapyr (três) e irundyk (quatro). Esses autores dizem que, para os demais números, dizem que eram feitas comparações ou circunlóquios. O Padre Figueira registrou ambó ("a mão") para cinco, opá ko mbo (todas estas mãos) para dez e xe po xe py (minhas mãos e meus pés) para vinte. Navarro apresenta xe pó ("minhas mãos") para dez. Praticantes modernos do tupi clássico (tupi antigo revivificado) gostam de usar simplesmente pó (mão) para cinco, com influência do guarani paraguaio.
Números maiores
No Manual de Conversação da Língua Tupí, Faris Antonio S. Michaele descreve a existência de dois sistemas de numeração em nheengatu (tupi moderno). O primeiro seria de base 5, no qual o número seis seria dito como "cinco-um", o sete como "cinco-dois" e assim por diante até o dez, que seria "dois-cinco". A partir daí, a continuação seria "dois-cinco-um" (11), "dois-cinco-dois" (12), "dois-cinco-três" (13), até 15, que seria "três-cinco". Em nheengatu, fica assim: 1 - iepé; 2 - mucuên (mucuin); 3 - muçapyra (muçapyre); 4 - erundy; 5 - pô (iepé-pô); 6 - pô-iepé; 7 - pô-mucuên; 8 - pô-muçapyra; 9 - pô-erundy; 10 - mucuên-pô; 11 - mucuên-pô-iepé; 12 - mucuên-pô-mucuên; 15 - muçapyra-pô; 20 - erundy-pô; e assim por diante.
Michaele afirma que o sistema de base 5 é "assás aborrecido" e cita os novos numerais criados para o sistema de base 10: 5 - uaxiny ou pô; 6 - moçuny; 7 - seié; 8 - oicé; 9 - oicepé; 10 - peié; 11 - peié iepé; 20 - mucuên peié; 30 - muçapyra peié; 100 - iepé-papaçaua; 200 - mucuên papaçaua; 1000 - peié papaçaua.
Teodoro Sampaio, em "O Tupi na Geografia Nacional" apresenta o mesmo sistema com grafia semelhante: 5 - uaxiny / acepó; 6 - moçuny; 7 - ceyé; 8 - oicé; 9 - oicépê; 10 - peyé; 100 - papaçaua; 12 - peyé-mocõe; 200 - mocõe-papaçaua; 10.000 - peyé-peyé-papaçaua.
A página Língua Tupi apresenta neologismos para os numerais entre seis e nove: 6 - poîepé; 7 - pokõî; 8 - posapyr; 9 - porundyk. Esses numerais são aglutinações de pó (cinco) com os numerais de um a cinco. São adaptações dos numerais do guarani: 6 - poteĩ; 7 - pokõi; 8 - poapy; 9 - porundy. Na minha opinião, esse sistema faz com que alguns nomes sejam demasiadamente semelhantes, podendo causa confusão: mokõî (2) e pokõî (7); mosapyr (3) e posapyr (8); irundyk/oîoirundyk (4) e porundyk (9). Parece-me conveniente não perder sílabas na aglutinação e simplesmente justapor os componentes: pó-îepé ou poîepé (6); pó-mokõî ou pomokõî (7); pó-mosapyr ou pomosapyr (8); pó-irundyk ou poirundyk (9).
Para dar ainda mais ênfase, poderíamos mesmo usar a forma ambó (ã + pó) nessas formas, com ambó-mokõî ou ambomokõî para sete, por exemplo. Temos ainda a vantagem de que ambó é de fato registrado em descrições antigas do tupi.
Considerando as possíveis adaptações de termos vindos do português, nheengatu e guarani, além das combinações de termos do tupi clássicos, podemos organizar listas de possíveis termos para os numerais a partir de cinco. Colocamos aqui em itálico os nomes que não estão adaptados à grafia corrente do tupi clássico.
5
cinco, ambó, pó, asepó, uaxiny, gûaxiny
cinco
6
seis, ambó-îepé, poîepé, moçuny, mosuny
seis
7
sete, ambó-mokõî, pomokõî, pokõî, ceyé, seié, seîé
sete
8
oito, ambó-mosapyr, pomosapyr, posapyr, oicé, oîsé
oito
9
nove, ambó-irundyk, poirundyk, porundyk, oicepé, oîsepé
nove
10
dez, opá ko mbó, opá, xe pó, xepó, peyé, peîé, pa, pá
dez
Nos sistemas apresentados, os números de 11 a 19 são formados como "dez-um", "dez-dois", "dez-três" etc. Esse sistema é lógico e parecido com o que se faz em outros idiomas, como o japonês. Curiosamente, a
língua maraguá tem essa ordem invertida, tendo "dois-dez" para "doze" e "três-dez" para "treze", por exemplo, o que é parecido com como foram etimologicamente formados alguns números entre 11 e 16 em muitas línguas europeias. O final -ze das palavras "onze", "doze", "treze", "cartorze" e "quinze" (o francês também tem
seize para 16) vem do latim
deci e significa "dez", enquanto as partes iniciais (
on-,
do-,
tre-,
cartor- etc.) vem de termos para 1, 2, 3, 4,... O mesmo ocorre para
-teen em inglês,
-dici em italiano e
-zehn em alemão.
11
onze, opá îepé
onze
12
doze, opá mokõî
doze
13
treze, opá mosapyr
treze
14
catorze/quatorze, opá irundyk
catorze, quatorze
16
dezesseis, opá poîepé
dezesseis
17
dezessete, opá pomokõî
dezessete
18
dezoito, opá pomosapyr
dezoito
19
dezenove, opá poirundyk
dezenove
Usamos a forma opá para dez ao formar 11, 12, 13, 14, ... , mas as outras formas apresentadas também poderiam ter sido usadas. Seria de pouco proveito apresentar todas as possibilidades.
20
mokõî-opá
vinte
21
mokõî-opá îepé
vinte e um
22
mokõî-opá mokõî
vinte e dois
23
mokõî-opá mosapyr
vinte e três
...
100
cem, ken, sa, sá
cem
A opção sá é uma adaptação ortográfica do guarani sa.
A página Língua Tupi apresenta adaptações fonológicas de cem (ken), mil (mir) e milhão (miryion). A escolha de ken para "cem" se justifica porque a letra "c" não faz parte do alfabeto tupi e sem já é outra palavra em tupi (significa "sair"). Além disso, o k remete à pronúncia da letra "c" no latim clássico, do qual se originou a palavra "cem".
1 000 000
milhão, miryion, sua, suá
milhão
Também pode ser interessante apenas fazer adaptações fonéticas para os números grandes:
1 000 000 000 - birîõ
1 000 000 000 000 - tirîõ
1 000 000 000
bilhão, biryion, mir suá
bilhão
1 000 000 000 000
trilhão, tiryion, suasuá
trilhão
Nem mesmo existe concordância entre o português brasileiro e o português europeu sobre o significado da palavra "bilião/bilhão" (1.000.000.000.000 ou 1.000.000.000), o que indica que já fomos longe o suficiente com esses nomes...